Dinâmica da fruição
24/9/2010
Por Alex Sander Alcântara
Agência FAPESP – Alunos com desvantagens econômicas e educacionais enfrentam muitas dificuldades para entrar em universidades públicas, cujas vagas são mais disputadas e exigem uma preparação pedagógica maior.
Mas entrar é apenas o primeiro desafio. Conciliar o tempo de estudo com o trabalho e vencer a distância entre a universidade e o bairro em que moram os impedem de usufruir os espaços (biblioteca, laboratórios, exposições e eventos culturais, por exemplo) e as oportunidades oferecidas na universidade.
As conclusões são de um estudo que analisou a “fruição” de estudantes desfavorecidos economicamente que entraram na Universidade de São Paulo (USP). O trabalho, desenvolvido no Departamento de Sociologia da USP, analisou a trajetória desses estudantes – do ingresso à permanência –, como eles exploram os espaços da instituição e como se dá o processo de “socialização universitária”, entre outros aspectos.
De acordo com o autor do estudo, Wilson Mesquita de Almeida, doutorando no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, apesar de existir muitos pontos de diferenças entre os estudantes com desvantagens econômicas, algumas similaridades podem ser observadas.
“Na fase anterior ao ingresso, percebemos que há um peso familiar na entrada desses alunos na universidade. Vimos, por exemplo, que a falta de um capital familiar de informação sobre a universidade, ou seja, a experiência de pais, irmãos, amigos com o ensino superior interfere fortemente”, disse à Agência FAPESP.
O estudo, intitulado “A vida acadêmica do estudante: o caso dos segmentos populares”, corresponde à sua pesquisa de mestrado, com Bolsa da FAPESP. A dissertação também resultou na publicação do livro
USP para todos? Estudantes com desvantagens socioeconômicas e educacionais e fruição da universidade pública, que contou com o apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações.
Para identificar alunos de baixa renda na USP, Almeida cruzou informações fornecidas pelo Núcleo de Apoio aos Estudos de Graduação (NAEG) referentes ao ano de 2003. Ter vindo de escola pública, ter pais e mães que não cursaram ensino superior, renda familiar de até R$ 3 mil, além de estudar e trabalhar, foram os critérios estabelecidos.
“Os critérios não podiam ter a conjunção ‘ou’. Ou seja, só poderiam entrar na pesquisa alunos que preenchessem todos os itens delimitados. Também optamos por quem não fosse calouro nem veterano. O objetivo foi fazer uma análise do estudante que já possuía certa vivência do ambiente universitário”, disse.
Com base nos cruzamentos, foram selecionados 54 alunos, mas, devido às dificuldades de tempo ou por não aceitarem participar da pesquisa, compuseram os grupos de discussão 17 estudantes, com idades entre 21 e 42 anos.
“Como a proposta não era fazer uma pesquisa com base estatística, selecionei alunos de cursos menos concorridos, como letras, história, geografia, física e também de contabilidade, carreiras nas quais estudantes com esse perfil estão mais concentrados”, explicou.
Uma série de dificuldades, tanto de ordem material como cultural, aparece na vida acadêmica do estudante com esse perfil, segundo Almeida. A maior delas é a falta de tempo para a dedicação às tarefas exigidas, além da distância de suas residências à Cidade Universitária, que fica na Zona Oeste da capital paulista.
Dificuldades simbólicas
Segundo o estudo, outro aspecto que atrapalha a fruição desses alunos é o domínio de outros idiomas, principalmente inglês, espanhol e francês, para a leitura de textos, além da apresentação de seminários e elaboração de relatórios.
“Essa dificuldade cria um diferencial do ponto de vista do aproveitamento do curso e também obstáculos ligados a uma base conceitual requerida para dar conta de leituras que envolvem o contato com teorias científicas”, afirmou.
Do outro lado, os alunos também relatam serem desestimulados por alguns professores na fase de preparação para o vestibular. São recorrentes, de acordo com o trabalho, as queixas sobre professores e colegas que desestimulavam a não tentar o vestibular em uma universidade concorrida como a USP.
“Há um mito em relação à universidade pública que não corresponde à verdade. Embora exista uma desvantagem gritante em termos de preparação na disputa com alunos de escolas particulares, esses juízos servem como catalisadores para afastá-los das vagas nas universidades públicas”, disse Heloisa Helena de Souza Martins, professora do Departamento de Sociologia da FFLCH e orientadora do estudo.
Mas, no caso dos alunos que participaram do estudo, essa imagem da USP serviu como incentivo. “Eles valorizam muito o ensino na universidade pública como um lugar de criação do conhecimento e, em vez de desistir, seguiram em frente”, destacou.
Segundo Heloisa, a pesquisa de Almeida é de grande importância porque, entre outros aspectos, retoma e rediscute uma ideia há muito difundida de que na universidade pública só entram os chamados “alunos da elite”.
“Os resultados da pesquisa permitem também ampliar essa discussão a respeito das questões referentes aos programas de inclusão propostos, como as cotas raciais, e as políticas públicas de financiamento do ensino superior”, disse, ao destacar que, no doutorado, Almeida analisará o caso do ProUni, em que alunos recebem bolsas do governo para estudar em universidades privadas.
De acordo com Almeida, a universidade é um mundo à parte para o ingressante. Ter que se adaptar à linguagem e aos códigos acadêmicos, à circulação nos espaços e ao contato com colegas e professores são dificuldades que não podem ser negligenciadas.
“Discuto no estudo o papel da universidade em relação a esses alunos. A USP tem vários programas de bolsas e alguns cursos gratuitos de idiomas, que poderiam auxiliar o ingressante. O problema é que muitos alunos nem sequer sabem da existência deles. Falta uma integração dessas ações e uma maior divulgação. Quando um aluno desiste há um custo imenso para ele, e também para a universidade”, disse.