"Na defesa estratégica de Ações Afirmativas"

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Cotas: uma nova consciência acadêmica, artigo de José Jorge de Carvalho



"A África do Sul, ainda nos dias do apartheid, já tinha mais professores universitários negros do que nós temos hoje"
José Jorge de Carvalho é professor da UnB (Universidade de Brasília) e coordenador do INCT de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa. Artigo publicado na "Folha de SP":

Enquanto cresce o número de universidades que aprovam autonomamente as cotas, a reação a esse movimento de dimensão nacional pela inclusão de negros e indígenas vai se tornando cada vez mais ideológica, exasperada e descolada da realidade concreta do ensino superior brasileiro.

Em um artigo recente ("O dom de iludir", "Tendências/Debates", 9/9), Demétrio Magnoli citou fragmento de um parágrafo de conferência que proferi na Universidade Federal de Goiás em 2001. Mas ele suprimiu a frase seguinte às que citou - justamente o que daria sentido ao meu argumento, que, da forma como foi utilizado, pareceu absurdo.

Sua transcrição truncada fez desaparecer a crítica irônica que eu fazia ao tipo de ação afirmativa de uma faculdade do Estado de Maine, nos EUA. O tema da conferência era acusar a carência, naquele ano de 2001, de políticas de inclusão no ensino superior brasileiro, fossem de corte liberal ou socialista.

Magnoli ocultou dos leitores o que eu disse em seguida: "Quero contrastar isso com o que acontece no Brasil. Como estamos nós? A Universidade de Brasília tem 1.400 professores e apenas 14 são negros". É 1% de professores negros na UnB.

E quantos são os docentes negros da USP? Dados recentes indicam que, de 5.434 docentes, os negros não passam de 40. Pelo censo de identificação que fiz em 2005, a porcentagem média de docentes negros no conjunto das seis mais poderosas universidades públicas brasileiras (USP, Unicamp, UFRJ, UFRGS, UFMG, UnB) é 0,6%.

Essa porcentagem pode ser considerada insignificante do ponto de vista estatístico e não deverá mudar muito, pois é crônica e menor que a flutuação probabilística da composição racial dos que entram e saem no interior do contingente de 18 mil docentes dessas instituições.

Para contrastar, a África do Sul, ainda nos dias do apartheid, já tinha mais professores universitários negros do que nós temos hoje. Se não interviermos nos mecanismos de ingresso, nossas universidades mais importantes poderão atravessar todo o século 21 praticando um apartheid racial na docência praticamente irreversível.

É esta a questão central das cotas no ensino superior: a desigualdade racial existente na graduação, na pós-graduação, na docência e na pesquisa. Pensar na docência descortina um horizonte para a luta atual pelas cotas na graduação.

Enquanto lutamos para mudar essa realidade, um grupo de acadêmicos e jornalistas brancos, concentrado no eixo Rio-São Paulo, reage contra esse movimento apontando para cenários catastróficos, como se, por causa das cotas, as universidades brasileiras pudessem ser palco de genocídios como o do nazismo e o de Ruanda!

Como não podem negar a necessidade de alguma política de inclusão racial, passam a repetir tediosamente aquilo que todos sabem e do que ninguém discorda: não existem raças no sentido biológico do termo.

E, contrariando inclusive todos os dados oficiais sobre a desigualdade racial produzidos pelo IBGE e pelo Ipea, começam a negar a própria existência de racismo no Brasil.

Fugindo do debate substantivo, os anticotas optam pela desinformação e pelo negacionismo: raça não existe, logo, não há negros no Brasil; se existem por causa das cotas, não há como identificá-los; logo, não pode haver cotas.

Raças não existem, mas os negros existem, sofrem racismo e a maioria deles está excluída do ensino superior. Felizmente, a consciência de que é preciso incluir, ainda que emergencialmente, só vem crescendo -por isso, a presente década pode ser descrita como a década das cotas no ensino superior no Brasil. Começando com três universidades em 2002, em 2009 já são 94 universidades com ações afirmativas, em 68 das quais com recorte étnico-racial.

Vivemos um rico e criativo processo histórico, resultado de grande mobilização nacional de negros, indígenas e brancos, gerando juntos intensos debates, dentro e fora de universidades. Os modelos aprovados são inúmeros, cada um deles tentando refletir realidades regionais e dinâmicas específicas de cada universidade.

Essa nova consciência acadêmica refletiu positivamente no CNPq, que acaba de reservar 600 bolsas de iniciação científica para cotistas. Se o século 20 no Brasil foi o século da desigualdade racial, surge uma nova consciência de que o século 21 será o século da igualdade étnica e racial no ensino superior e na pesquisa.
(Folha de SP, 17/9)

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Câmara aprova o Estatuto da Igualdade Racial

Em sessão histórica finalizada com aplausos e em clima de festa, o Estatuto da Igualdade Racial (PL 6264/2005, do Senado) foi aprovado por unanimidade, nesta quarta-feira (09), pela Comissão Especial da Câmara criada para debater o tema. O projeto prevê medidas como incentivo à contratação de negros, reclusão de até três anos para quem praticar racismo na internet, livre exercício de cultos religiosos de origem africana e estímulo a atividades produtivas da população negra no campo.

A proposta foi o resultado de mais de seis anos de discussão no Congresso. “A aprovação foi um grande avanço. Por meio dele, o Estado fica obrigado a agir em relação às desigualdades existentes no país. É uma lei que vai unir a sociedade e gerar vários benefícios para populações historicamente excluídas”, avalia o ministro da Igualdade Racial, Edson Santos.

O relator da proposta, deputado Antônio Roberto (PV-MG), informou que os integrantes do colegiado chegaram a um acordo para a votação de seu substitutivo. Segundo ele, foram feitas algumas modificações na redação, sem alterar o principal do projeto.

Entre as mudanças, estão a redução de 30% para 10% da proporção de candidatos negros que os partidos devem ter nas eleições; a retirada da obrigatoriedade de reserva, nos estabelecimentos públicos, de vagas para alunos negros vindos de escolas públicas na mesma proporção dessa etnia na população; e a supressão do inciso que definia quem eram os remanescentes de quilombos.

Outra modificação foi a retirada da expressão "igualdade" do dispositivo que trata da contratação de atores negros em produções artísticas. Mesmo com as alterações, Antônio Roberto frisou: "A essência continua a mesma: a inserção do negro brasileiro nos níveis de poder".

A matéria tramita em caráter conclusivo e será enviada ao Senado. Um dos pontos do acordo entre os parlamentares foi o de que não seria apresentado nenhum recurso no sentido de que o projeto fosse votado no Plenário da Câmara. A expectativa é de que a aprovação final da proposta ocorra até 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.

Comemoração

Entre os participantes da sessão, que durou menos de duas horas e foi comemorada pelos deputados, também estava o senador Paulo Paim (PT/RS), autor do projeto original do Estatuto. Representantes do movimento negro também festejaram. “Sem sombra de dúvida foi um grande avanço para nós, ativistas”, disse a presidente do Conselho de Comunidade Negra de São Paulo, Elisa Lucas Rodrigues.

Para o coordenador-geral da União de Negros pela Igualdade (Unegro), Edson França, a decisão “reafirma a vanguarda do Brasil no ordenamento jurídico para a promoção da igualdade racial”.

Na opinião do representante da entidade Agentes Pastoral dos Negros (APNs), Nuno Coelho, foi um golaço do ministro, que conseguiu aproximar o movimento social, o Parlamento e o governo em prol do Estatuto. A secretária nacional de combate ao racismo do PT, Cida Abreu, considerou a aprovação o reconhecimento da história de luta do movimento negro brasileiro.

"As dificuldades enfrentadas pela comunidade negra ainda são muito latentes. O que se conseguiu foi um acordo para que as elites não perdessem os dedos, mas deixassem os aneis. Mesmo assim, o negro está em festa, é uma data histórica”, afirmou Eduardo de Oliveira.
O representante do Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen) resumiu a aprovação como uma grande vitória da luta negra. "Espero que, no Senado, tudo ocorra com a mesma tranquilidade", concluiu.

Na opinião do deputado Evandro Milhomen (PCdoB/AP ) "essa luta é o reconhecimento da participação do negro na história do país. É uma luta de 121 anos”. Ele ressaltou que, apesar do projeto não corresponder a todos os anseios da população negra, o estatuto marca um início e "a partir de agora poderá haver um equilíbrio maior na sociedade".

http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=1&id_noticia=115344

Câmara aprova Estatuto da Igualdade Racial

Bernardo Mello Franco - O Globo


BRASÍLIA - A Câmara aprovou nesta quarta-feira o Estatuto da Igualdade Racial, que vem sendo discutido no Congresso desde 2003. Por acordo entre governo e oposição, foram retirados os pontos mais polêmicos do texto original como a criação de cotas para negros nas universidades federais, um percentual que obriga atores e figurantes afrodescentes em programas de TV e a titulação de terras quilombolas.

O deputado Daniel Feliciano (PDT-BA) acusou os colegas de aprovarem o estatuto desidratado, com poucos efeitos práticos para a população negra.

" Esse relatório suprime a essência de muitas coisas que já haviam sido conquistadas em anos de luta "

- Esse relatório suprime a essência de muitas coisas que já haviam sido conquistadas em anos de luta.

O acordo manteve a criação de cota para candidatos negros nas eleições, mas reduziu esse percentual de 30% para 10%. Já as cotas na TV foram eliminadas, e os artigos que instituíam a reserva de vagas no ensino superior foram substituídos por um texto genérico, que não fixa prazos ou percentuais. O relatório manteve a promessa, a ser regulamentada, de incentivos fiscais para empresas com 20% de trabalhadores negros.

O presidente da Comissão especial, deputado Carlos Santana (PT-RJ) minimizou as críticas e classificou a aprovação de vitória histórica.

- Ao aprovar o estatuto estamos reconhecendo que há discriminação racial no Brasil. Nós não recuamos.

O deputado Onix Lorenzoni (DEM-RS) elogiou o texto aprovado.

- O DEM lutou para que o estatuto fosse mestiço como é o Brasil. Não há espaço para racionalização ou para uma nação bicolor.

O ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, disse que a Câmara aprovou o texto que era possível.

" O DEM lutou para que o estatuto fosse mestiço como é o Brasil. Não há espaço para racionalização ou para uma nação bicolor "

- O estatuto foi possível diante da correlação de forças do Congresso. O maior avanço é que ele não vai gerar conflitos porque os partidos estão unidos em torno do mesmo texto - disse o ministro.

Com a aprovação do relatório da Comissão Especial, o projeto deve seguir diretamente para o Senado. A intenção é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancione o estatuto no dia da Consciência Negra, dia 20 de novembro.

O texto foi aprovado em clima de festa, com batucada promovida por militantes com roupas e turbantes afro. Os deputados esqueceram o protocolo e votaram de pé. Depois, cantaram de mãos dadas o samba "Sorriso negro", gravado por dona Ivone Lara.

Tramita na CCJ do Senado projeto que estabelece sistema de cotas nas universidades federais. O sistema prevê destinar 50% das vagas a alunos das escolas públicas com subcota racial. Essa subcota segue os critérios do IBGE. Ou seja, depende do número de negros na população do estado. Onde há 70% de negros, 70% das vagas destinadas para estudantes da rede pública devem ir para negros.


http://oglobo.globo.com/pais/mat/2009/09/09/comissao-da-camara-aprova-estatuto-da-igualdade-racial-767536550.asp

Câmara aprova Estatuto da Igualdade Racial

Quinta-Feira, 10 de Setembro de 2009

Um acordo com a bancada ruralista garantiu ontem a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial na Câmara, após quase dez anos de tramitação. Para destravar a proposta, o deputado Antônio Roberto (PV-MG), relator do projeto, aceitou excluir um artigo que tratava da regularização de terras para remanescentes de quilombos.

Na visão da bancada ruralista, o artigo abria brechas para futuras ocupações por quilombolas de áreas com produção agrícola. "Na minha avaliação, não havia problema. Mas como a Constituição já trata do assunto dos quilombolas, preferi negociar o acordo retirando o artigo e garantindo a aprovação do estatuto", disse o parlamentar.

O estatuto abre mais espaços institucionais para os negros. Pelas regras, os partidos passam a ser obrigados a destinar aos negros 10% de suas vagas para candidaturas nas eleições proporcionas. A proposta original era de que esse valor fosse elevado para 30%, igual à cota definida para mulheres.

O estatuto passa a exigir do sistema público de saúde que se especialize no tratamento de doenças mais características da raça negra, como a anemia falciforme. "A ideia é que o sistema se volte obrigatoriamente para a questão negra. Hoje, por exemplo, não existe sequer ensino nas universidades de especializações na anemia falciforme", cita Antônio Roberto.

Na área de educação, passa a ser obrigatória a inclusão, no currículo do ensino fundamental, de aulas sobre história geral da África e do negro no Brasil.

Outra novidade é o incentivo fiscal que o governo poderá dar para empresas com mais de 20 funcionários e que decidirem contratar preencher pelo menos 20% do quadro com negros.

"PONTO DE PARTIDA"

"Esse estatuto é como um bico de arado. Ele não é um ponto de chegada. É um ponto de partida. O racismo no Brasil nem é individual. Ele é institucional. Todo mundo tem amigos negros, se relaciona, trabalha. Mas você não vê presença significativa no Congresso, Judiciário, nas universidades, nos bons empregos", afirma o relator.

A bancada ruralista aceitou apoiar a votação do estatuto em caráter terminativo. Ou seja, permitindo que a proposta siga diretamente para o Senado, sem ser submetida à aprovação pelo plenário da Câmara.

O relator preferiu não mexer em outra questão polêmica, como a cota para alunos negros das escolas públicas, que teriam acesso a vagas nas universidades. Como já existe um projeto sobre o assunto no Senado, o relator entendeu que a discussão desse item poderia atrapalhar a aprovação do texto.



PRINCIPAIS PONTOS


Partidos são obrigados a reservar 10% de suas candidaturas para negros nas eleições proporcionais. Hoje só há reserva para mulheres

Sistema de saúde terá de garantir tratamento e especialização em doenças mais comuns na raça negra, como anemia falciforme

Currículo do ensino fundamental terá aulas de história geral da África e história do negro no Brasil

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090910/not_imp432361,0.php